Já passavam das 22.30 horas deste sábado quando Nélson Monte chegou, finalmente, a Portugal. Emocionado, abalado, o central formado no Rio Ave abraçou, em lágrimas, os seus familiares, antes de se disponibilizar a falar aos jornalistas que o esperavam no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.
O jogador do Dnipro, de 26 anos, fez o relato de dias aterradores e do perigo que viveu para abandonar a Ucrânia, depois da ofensiva militar da Rússia. «Foi muito difícil chegar aqui! Foram dois, três dias muito complicados, mas agora o sentimento é desfrutar do tempo com os miúdos e a minha mulher», começou por dizer.
Colocado num cenário impensável no momento em que aceitou este desafio na carreira, Nélson Monte vincou a necessidade de «sofrer e ser duro» numa situação como a que se vive em território ucraniano. «O que fiz foi obter o máximo de informação e fazer-me à estrada para sair o mais rápido possível. A situação está muito feia lá e o que mais queria era sair do país. Obrigado a quem me ajudou. O Estado e a Embaixada estiveram sempre comigo. Obrigado ao Sindicato e à FPF, à Câmara de Vila do Conde... Várias pessoas ajudaram-me e recebi muitas mensagens de apoio. Os últimos três dias foram muito complicados. A partir do primeiro bombardeamento foi um sentimento de medo. Só hoje, quando cheguei à Roménia, aliviei a tensão», partilhou.
«Como foi a viagem para sair Ucrânia? De loucos! Quando acordei com o bombardeamento há três dias, nós, os estrangeiros do clube, fugimos da cidade para o centro de estágio. A informação que nos deram foi ir para Lviv. Enquanto estava em casa tinha ouvido duas bombas e quando estávamos no centro de estágio rebentou outra e escondemo-nos num bunker lá. Depois, tivemos indicação de que podíamos ficar no hotel do nosso presidente a pernoitar, que era seguro, embora para mim não houvesse nenhum lugar seguro. Dormimos lá e às 6 horas fizemo-nos à estrada para ir para a Polónia. Tinha visto no GPS, que dava uma estimativa de três horas, três horas e meia, e a verdade é que acabei a conduzir durante quase 25 horas. Havia estradas cortadas, tínhamos de andar por estradas secundárias, muitas delas no meio do mato, horríveis. Andávamos quase a 30 quilómetros por hora, o que, para quem está em fuga, é um desespero. A meio do caminho recebemos a informação de que Lviv estava a ser evacuada e alterámos a rota para a Roménia. Passámos por check-points para revistas de carros. Se eram russos ou ucranianos não sei. Era um momento de tensão enorme, armas por todo o lado. Por exemplo, recordo-me de quando acordei no hotel, abri a cortina e tinha um tanque lá à frente», recuperou.
O desafio de voltar a casa envolveu grandes obstáculos, mas Nélson Monte acreditou sempre. «Nunca me passou pela cabeça não chegar a Portugal. Não sabia era como ia chegar. Ainda hoje foi complicado passar a fronteira, pois quando cheguei de carro deparei-me com uma fila inacreditável. Além das estradas fracas, havia o trânsito, era uma fila incrível para fugir do país. Decidi deixar o carro a mais ou menos 10 quilómetros da fronteira e fiz o resto a pé. Mas na fronteira só deixavam sair mulheres e crianças. Os ucranianos estavam obrigados a ficar e não davam justificação para os estrangeiros ficarem. O inglês também não era muito… Foram os piores momentos a que assisti…», prosseguiu.
Na cabeça mora a preocupação com os colegas de equipa. «Dnipro é capaz de ser das cidades mais seguras, mas nunca se sabe. Eles estão dispostos a ir para a guerra. Só houve um colega meu que fugiu para o mesmo hotel. Ofereci-lhe abrigo em Portugal para a mulher dele e para o filho. O desespero deles é incrível. Estavam a fugir mas sem saber para onde...», contou, visivelmente perturbado.
E o futuro profissional, como será? «Não sei se vai haver futebol tão cedo na Ucrânia. O meu pensamento era voltar a Portugal. A minha preocupação neste momento é saber o que vai acontecer à minha carreira, mas quero aproveitar a minha família agora. Acompanhamento psicológico? Estou bem, vi muita coisa que me vai marcar para o resto da vida. Quando as bombas explodiram no apartamento, corri para a garagem para apanhar o carro e vi muitas famílias em número assustador. Na fronteira fiquei quatro horas para passar e outros, ucranianos, também ficaram e não puderam sair. Os filhos e as mulheres passavam as fronteiras e eles ficavam lá.»
Para trás fica um pesadelo e o sentimento de profunda tristeza. «É duro. Temos grupos nas redes sociais com colegas de equipas. É duro saber o que estão a pensar, o sentimento de medo. Peço que ajudem aquele povo, não merece passar por isto. Vão defender a pátria até à morte. O meu coração está com eles, sobretudo com os meus colegas de equipa. Disse-lhes que recebia os seus familiares em Portugal, mas eles são muito orgulhosos do seu país», concluiu.
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